domingo, 19 de junho de 2011

Mas na manhã seguinte...

Não! Nunca fui despertado pela cotovia. Para falar a verdade, eu sequer saberia reconhecer o seu canto. O que sempre me fez acordar, desenlaçar as pernas e recompor as vestes amarrotadas foi a necessidade do retorno. Do retorno ao insípido, ao estático, ao nada.
O sublime é um pássaro volátil duramente perseguido pelos poetas. Fosse esse aberto ao fremir cálido do toque mortal, certamente a sua existência seria ordinária e as suas plumas não reluzeriam nos olhares elevados. A nossa sorte não seria diferente: os abraços cronometrados e os minutos de êxtase, duramente alcançados durante a noite, encontram o seu termo no nascer do sol. E eu, embora sujo de ti, me refaço estranho. E o teu corpo, despojado na cama e alheio ao meu, nem se dá conta, sequer sabe o porquê eu me ponho de costas ao me vestir, e tentar assim preservar alguma pétala do segredo há muito desnudado. E você respira fundo, sonhando (talvez) com alguma realidade diferente desta. E eu me levanto, apressado e silencioso, e parto (seguindo o bom princípio cristão de não olhar para trás) avaliando cada beijo futuro que ficará para sempre cerrado nesse quarto de "nuncas mais".

domingo, 17 de abril de 2011

Trecho de uma carta fechada (e nunca entregue), ou um "Ensaio sobre o recalque".

(...)"Primeiro acreditei que era amor, e isso eu tiro de letra: o platonismo sempre fora a condição básica da minha existência. O que eu havia me esquecido - e que causou toda a minha danação - é que existe um acordo tácito, entre os acometidos por tal infortúnio, que diz que os corpos dos dois envolvidos não podem, em hipótese alguma, se encontrar no mundo sensível. E esse, antes de crime, foi o meu castigo. A gota de óleo de Psiquê me inflamou por inteiro. O amor de Ariadne por Dionísio, ao se concretizar, foi transfigurado em desprezo. E eu te percebi indiferente e distante. E eu me percebi fraco e perecível, e me percebi mortal, e quis levar essa nova condição a cabo. Mas Chronos, o mais sábio de todos (nunca um epíteto me fora tão válido) se compadeceu do meu sofrimento artificial e fez-te passado. Sumiste num sopro do tempo. Hoje acredito que estejas apenas convertido em lembrança.
Mas para mim é pouco. Continuo a procura de ti. Quero diariamente saber-te. Anseio desesperadamente encontrar-te. Desejo visceralmente ver-te passar, perecer como uma uva. Como a uva verde em que eu, raposa ferida, te converti. Um dia você apodrece e cai do pé. E eu poderei, enfim, te dar o desprezo que nunca sentirei.
A vingança é um prato que se come estragado. Por isso eu tenho andado tão bilioso. Os grãos de ressentimento não satisfazem a minha dieta."

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O avesso da montanha.

Enquanto minha mãe pintava os lábios
enrugados pelo desquite prematuro,
Minha irmã cerrava os dentes
mastigando o seu futuro.

Dentro da Noite Veloz.

Oh, meu Poeta Gauche.
Na noite passada,
um outro conseguiu te estrangullar.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Pós-tumo(lo)

...À francesa:
(To miss J.)


E depois que, de todos os poemas, apaguei teu nome.
Tu queres mitificar a brancura da luz da pérola?

domingo, 9 de janeiro de 2011

Carnavalização.


Então faz assim: eu me conservo mudo enquanto tateias a solidez das minhas carnes flácidas. Minha língua articulará somente beijos vazios e a minha voz se prestará a emitir sussurros tão falsos quanto esse "amor a primeira vista".
A tua incapacidade de absorver as pérolas que eu não te lançarei te fará ater-se somente ao meu corpo, tornando-o tão vil, e tão obsceno e tão gual aos outros milhares que em ti se esfregaram, que, dentro em pouco, não te servirei para mais nada. A volúpia ardente dos versos que certamente não compreenderias, se converterão no amargo bilis que sorves de minha boca. Teu fétido hálito de superficialidade fará escorrer gotas de vômito por entre as frestas abertas nos nossos lábios colados. Depois gargalharei com o despudor daqueles que nunca se importam com os sentimentos alheios (sentimento é uma palavra bela demais para figurar na trivialidade do seu parco vocabulário).
Contudo - olhando-te mais de perto - concluo que a beleza é realmente uma deusa arrebatadora, mas não passível de abstração.
PRONTO! está pago: a tua beleza em troca do meu tempo. E não se fala mais nisso, e não se fala mais, e não nos falaremos mais. Não te quero mais. Estamos saciados, e agora desejo, visceralmente, que partas para sempre. MAS antes, para que te lembres de mim, de recordação, te cuspirei na cara, para emporcalhar esse espaço asséptico e carente de verdade.
Agora podes ir, e eu te odiarei, eternamente, por nem se quer existires em ti. E te odiarei, sobretudo, por mostrar-me em tuas opacas retinas que pedras e plumas são apenas dois corpos sujos que, apesar de se enlaçarem numa rua escura, jamais se encontrarão.