sábado, 30 de outubro de 2010

Carta ao pai, aos filhos...

E ainda queres anunciar a boa nova?

Queres realmente trazer luz ao que já se consumiu em trevas?

Posto que a minha – tão celebrada virgindade

converteu-se em amargura

E a minha inaptidão camuflada em santidade

tornou-se risível

Fizeste-me cheia de desgraças.


Oh, Pai. Nunca me abandonaste

Porque nunca me acolheste


Em meu últero puído

cerrou-se um feto estático

No meu ventre

o fruto podre não vingou

e morreu pregado em minhas entranhas

E assim ficará para todo o sempre


Sem glória

Sem perdão

Sem paz


Por vós só rogarei pragas.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Penúltimo poema pra L. (Uma breve consideração sobre o amor medido)

Amo-te desesperadamente.
E no limite da impossibilidade de ter-te,
me acostumei a imaginar-te,
te moldando nas proporções do meus desejos.

E assim te fiz
E assim te quero

És a minha estátua de Davi,
de perfeições frias e apaixonantes
Mas muda
Eternamente muda.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Poema X ou "Da morte nas víboras"




Se na cisma dos nossos lábios
o amor fez-se vácuo,

entrego-me em desejos rastejantes
ao beijo mortal e traiçoeiro

Que se não une nossos corpos,
enlaça nossas almas.


(Para Miss Joyce)




O banquete das osgas.

"O mundo é um matadouro disfarçado
com as paredes forradas de cetim"

(Adília Lopes, Sete rios entre campos 44)






E como não, e porque não se apaixonar pelo que há de mais sublime na poesia?
É assim que eu poderia definir, sem sombra de duvidas, a produção dessa mulher duplicada. Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, ou simplesmente: Adília Lopes, tornou-se, para mim, uma das mais relevantes poetisas da atualidade. Com um estilo único -e por isso mesmo inclassificável pelos bastiões engessados da crítica- é possível encontrar em Adília um vasto aparato de referências fantásticas e sensoriais que, no seu mundo de possibilidades, rompem o pudor dos oxímoros e passam a conviver na mais absoluta harmonia.
Mas ela é mais! A sua aguçada imaginação lhe permite combinações e criações impensáveis, como as Marias Cristinas refletidas, personagens unas de um mundo avesso, ou um baile da solidão; por onde rodam Didos e Fedras em torno das angústias da poetisa. O sopro criador dessa portuguesa vai além e dá "anima'' a um personagem nascido e morto em meia dúzia de páginas do romance de Diderot; o castrado Poeta de Pondichéry ganha vida e profundidade nos versos (ou na pele) de Adília, sem perder o tom irônico que as contrastantes imagens do poeta (ora aurática, ora desterrada) nos exprimem.
Ler Adília é passear por infinitos bosques de poesia e saber que, a cada passo, se apresentarão diante de nós inúmeras polifurcações. É adentrar um reino cínico e pueril de castelos com papéis de paredes de cerejeiras, que, em pouco tempo, se desprenderão e mostrarão a verdadeira cor dessas paredes; basta ter olhos de ver. Ler Adília é mergulhar no inseguro caminho das possíveis interpretações. É conhecer-se e logo depois descobrir-se farsa.