sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Amores platônicos:

I

Na passagem do teu corpo
meu nariz furta-cheiro.

II

Quando eu te encarei frente a frente
só vi a tua nuca.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

"Disticarações"

I

No ouvido: Sussurro
Na boca: Falo.


II

Diante da bifurcação das virilhas
a língua seguiu o caminho do meio.


III
Eu suo
Tu suas


IV
Amor que fica
é o que se vai


V
Capitu
ganhou Bentinho pelo olho?


VI
Entre o sexo e o ofício
existe um orifício


VII
Do french kiss ao beijo grego
existem alguns kilômetros de pele
.

VIII
A língua na boca alheia
canta uma música surda.


IX
Dormir de conchinha
é coisa para casais com três braços.


X
Depois de comer todos os incautos
Mário saiu do armário.

XI




- Você me ama?
- E como.


Da Série: Amor Verdadeiro


I

Amor verdadeiro
É lamber a axila do parceiro.

II
Amor verdadeiro
É nadar no Mar Vermelho.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

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"E onde gritavas impropérios,
eu fazia-te esplendor."





És apenas um nome
Nome sujo, sem rosa
e sem plumas.

Nome profano
Cantiga de agouro que ofende minha reza
e contamina meu ser.

Nome impróprio
Palavra pendurada entre tua boca
e meu ouvido.

Nome abstrato
Vocábulo com braços, pernas
e olhos que nunca me vêem.

Nome perdido
Som apartado da minha voz
por infindáveis ventanias.

Segredo inominável
Canto de um coro surdo
que narra a minha desgraça.

sábado, 30 de outubro de 2010

Carta ao pai, aos filhos...

E ainda queres anunciar a boa nova?

Queres realmente trazer luz ao que já se consumiu em trevas?

Posto que a minha – tão celebrada virgindade

converteu-se em amargura

E a minha inaptidão camuflada em santidade

tornou-se risível

Fizeste-me cheia de desgraças.


Oh, Pai. Nunca me abandonaste

Porque nunca me acolheste


Em meu últero puído

cerrou-se um feto estático

No meu ventre

o fruto podre não vingou

e morreu pregado em minhas entranhas

E assim ficará para todo o sempre


Sem glória

Sem perdão

Sem paz


Por vós só rogarei pragas.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Penúltimo poema pra L. (Uma breve consideração sobre o amor medido)

Amo-te desesperadamente.
E no limite da impossibilidade de ter-te,
me acostumei a imaginar-te,
te moldando nas proporções do meus desejos.

E assim te fiz
E assim te quero

És a minha estátua de Davi,
de perfeições frias e apaixonantes
Mas muda
Eternamente muda.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Poema X ou "Da morte nas víboras"




Se na cisma dos nossos lábios
o amor fez-se vácuo,

entrego-me em desejos rastejantes
ao beijo mortal e traiçoeiro

Que se não une nossos corpos,
enlaça nossas almas.


(Para Miss Joyce)




O banquete das osgas.

"O mundo é um matadouro disfarçado
com as paredes forradas de cetim"

(Adília Lopes, Sete rios entre campos 44)






E como não, e porque não se apaixonar pelo que há de mais sublime na poesia?
É assim que eu poderia definir, sem sombra de duvidas, a produção dessa mulher duplicada. Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, ou simplesmente: Adília Lopes, tornou-se, para mim, uma das mais relevantes poetisas da atualidade. Com um estilo único -e por isso mesmo inclassificável pelos bastiões engessados da crítica- é possível encontrar em Adília um vasto aparato de referências fantásticas e sensoriais que, no seu mundo de possibilidades, rompem o pudor dos oxímoros e passam a conviver na mais absoluta harmonia.
Mas ela é mais! A sua aguçada imaginação lhe permite combinações e criações impensáveis, como as Marias Cristinas refletidas, personagens unas de um mundo avesso, ou um baile da solidão; por onde rodam Didos e Fedras em torno das angústias da poetisa. O sopro criador dessa portuguesa vai além e dá "anima'' a um personagem nascido e morto em meia dúzia de páginas do romance de Diderot; o castrado Poeta de Pondichéry ganha vida e profundidade nos versos (ou na pele) de Adília, sem perder o tom irônico que as contrastantes imagens do poeta (ora aurática, ora desterrada) nos exprimem.
Ler Adília é passear por infinitos bosques de poesia e saber que, a cada passo, se apresentarão diante de nós inúmeras polifurcações. É adentrar um reino cínico e pueril de castelos com papéis de paredes de cerejeiras, que, em pouco tempo, se desprenderão e mostrarão a verdadeira cor dessas paredes; basta ter olhos de ver. Ler Adília é mergulhar no inseguro caminho das possíveis interpretações. É conhecer-se e logo depois descobrir-se farsa.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Hello from T.

Quando fingi que te vi pela primeira vez,
já te sabia muito bem.
Ja havia lambido teus olhos senis
e mordido tuas pernas estúpidas.

Macrofísica do domínio.

Teu refinado gosto por haikais
pedia, cada vez mais
que eu enchugasse meus versos

Teu despotismo intelectual
comeu minhas rimas
e condenou-me à mudez.

sábado, 17 de julho de 2010

Para sempre meu Caio F.


Não fazia a menor idéia do que postar nesse blog, que já anda meio vazio faz muito tempo. Mas num lapso de memória (confesso que oportunamente ajudado pela voz da Ângela Rorô, que começou a cantar “Amor, meu grande amor” no meu rádio.), pensei em Caio.

Não. Essa idéia não foi tão espontânea assim, acabo de me lembrar o que se passou. A música citada faz parte de um dos meus contos preferidos do escritor gaúcho. Na verdade é o meu conto preferido, e eis o maior problema de uma grande admiração: a gente não consegue escolher únicas coisas, é sempre “uma das” dentre todas as que eu mais gosto... Pronto! Tomei coragem e elegi “os sobreviventes”, do livro “Morangos mofados” como o meu conto preferido. Mas que ironia! Eu resolvi falar de coragem justamente enquanto eu falava de um homem que esfregava toneladas de coragem em nossas caras. Caio era livre e talentoso ao ponto de nos prender em seus emaranhados de papel, seu modo de escrever assemelhava-se a um suspiro: leve, tranqüilo e vitalmente espontâneo.

Ainda hoje, quando tenho alguma atitude movida por impulso, penso em Caio. Não! Penso no Caio do conto “E o destino desfolhou”, que sem pestanejar lança duras palavras à Beatriz: - Tu sabias que tu vais morrer? Contudo, continuo lançando duras palavras ao vento, e os contos mofados são minha espécie de passeio pelo meio do caminho dessa estrada dantesca.

Espero, em páginas, o dia em que Urano entrará em Saturno, o dia em que eu poderei chamar inteligência de epifania e, principalmente, o dia em que os meus morangos verdes envelheçam e morram. Mas amanhã eu posso detestar esses contos. Amanhã eu acordarei e também não haverá o Caio.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

"Eu fico triste quando chega o carnaval !" (L. Melodia)

Cocktail Party
Não tenho vergonha de dizer que estou triste
Não dessa tristesa ignominiosa dos que, em vez
de se matarem, fazem poemas:
Estou triste porque vocês são burros e feios
E não morrem nunca...
Minha alma assenta-se no cordão da calçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.
E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!
Mas como são belos os filmes coloridos!
(ainda mais os de assuntos bíblicos...)
desde o crepúsculo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se
em todas as poças dágua,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!
(Mário Quintana)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010